Dia destes liguei para um amigo que está no Brasil. Entre as saudações iniciais ele perguntou como eu estava por aqui. Respondi que estava lutando contra os descontos. Lutando para vencer as ofertas tentadoras do comércio, lutando para me conter e frear o instinto consumista. As promoções de comércio na Califórnia são tantas que nos fazem fugir delas a todo instante. É fugir ou enfrentá-las corajosamente. Isto é, lançar mão do cartão de crédito como última alternativa, como um golpe fatal, o lance final num ato de desespero e, então, acalmar os "delirious aquisitivus". É uma luta quase inglória. Pra não levar desaforo pra casa, a solução mais racional é utilizar os cupons de descontos. Nem que seja pra comprar um humilde cafezinho. Recebo diariamente cupons de descontos, os quais são enviados por e-mail. As redes de lojas agem na calada da noite. E assim, logo de manhã, após tomar café, ligar o computador e abrir os e-mails me deparo com uma fila interminável de cupons a minha espera. É o que basta para acabar com o sossego matinal de qualquer um. São cupons de supermercados, lojas de eletrônicos, farmácias, postos de abastecimento, papelarias, imobiliárias, seguradoras, todo tipo de comércio. Há dias penso em ligar para o setor de atendimento ao cliente destas lojas e solicitar a eles que não enviem mais os cupons. Ou então que aumentem drasticamente os preços dos produtos, e assim me afastar dos maus pensamentos, me afastar dos desejos de consumo. Outra arma do comércio é oferecer carinhosamente o cartão de fidelidade para o cliente juntar pontos e trocar na próxima compra. Sim, sempre existirá uma próxima compra. Para agravar a situação, cartões de fidelidade não invalidam cupons, pelo contrário, se somam a eles para aumentar o desconto e consagrar a angústia do cliente. O que pode se configurar num atentado aos valores mais íntimos do cliente. Uma grande confusão. Percebi que a estratégia de marketing do comerciante é manter o cliente dentro da loja. De preferência, da sua loja. Manter o cliente sob tensão. Sim, porque atrás de toda compra há sempre uma tensão. Que envolve decisão, escolha. E a vida é feita de escolhas, já dizia Jean-Paul Sarte (não sei se ele incluía estas escolhas). Tem aqueles finais de semana que fico apreensivo com a proximidade da segunda feira trazer o fim de todas as promoções. Tudo não passa de um susto até abrir meus e-mails e rever a lista de cupons e mensagens enviadas anunciando novas promoções. É como se a vida se renovasse a partir daquele momento. Pra complicar o intrincado jogo de compra e venda, existe a lei da devolução, o chamado “return”. Tudo que você comprar pode ser devolvido em 30 dias, sem constrangimento ou restrições. Resultado: as lojas criaram o departamento “Open Box”, onde produtos devolvidos são colocados com preço muito menores, produtos que geralmente foram usados apenas em um ou dois dias. Americanos compram compulsivamente e enchem suas garagens até que num belo domingo pela manhã colocam tudo em frente de casa para vender por preço de banana. Chamam isto de “Garage Sale”, ou “Yard Sale”. Isto é outro departamento. Fiquemos apenas com os cupons de descontos, que podem ser encontrados também em anúncios de jornais. Tudo é feito para atrair o cliente, para oferecer benefícios, para reduzir preços, e facilitar a venda. Não só produtos são ofertados, serviços também. Aí entram serviços de internet, energia elétrica, telefonia, televisão a cabo, etc. Fiz contrato com a operadora de telefones AT&T, adicionei ao pacote mensal outro pacote de ligações internacionais onde disponho todo mês de 1000 minutos para ligar ao Brasil. O valor do pacote das ligações internacionais acrescentou a minha conta de telefone celular o valor de 10 dólares por mês. Pois bem, na mesma semana que fiz este contrato, recebi proposta de uma operadora de telefonia celular brasileira ofertando um pacote de ligações internacionais para ligar ao Brasil pelo equivalente a R$ 2,50 (reais) o minuto. Na oferta da AT&T 1000 minutos custam 24 pilas, já na operadora brasileira custaria a bagatela de 2400 pilas. Por estas, meu amigo Raul Daudt, que mora no estado do Colorado diz sempre “ricos moram no Brasil”. E neste balaio de cupons, ofertas, descontos, agente adiciona silenciosamente a comparação entre preços praticados no Brasil e aqui nos US. Daí a consciência fica aliviada, e o cartão pesado.
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